sexta-feira, 7 de maio de 2010

A terceira carta a mim mesmo

Após duas cartas escritas a mim mesmo decidi que esta seria a última, ao menos por hora. O que é bem engraçado, já que na mesma hora que decidi escrevê-la já conjecturei a realização de uma última, que é derradeira não por drama, mas somente pelo que nela estará contido da forma mais pura e integral que eu poderei me expressar. Não costumo pensar no que ainda irá acontecer e como se dará, tampouco assino o que escrevo com data, pois penso que não somos feitos de fases, e sim nós que as fazemos... mas esse caso é diferente. A última carta a mim mesmo tem data. A última carta a mim mesmo, será minha, para todos aqueles que ficarão comigo.

Mas antes de um final definitivo, creio que seria justo um final para esse dia. De manhã foi ela, à tarde ele, e com o cair da noite eles finalmente se tornariam um só...

Ela já havia finalmente deixado a reclusão de seu quarto, de sua introspecção e meditação. Tomado seu banho, coisas a fazer já feitas, acompanhava o pôr-do-Sol com desinteresse, correndo as unhas demasiadamente compridas pela mureta da sacada, observando os carros, as pessoas e as nuvens.

Ele se sentou na areia, mergulhou os dois pés na água e fitou o céu. A sensação de ter corrido tanto atrás dela sem propósito algum ainda era muito difícil de ser posta em uma viagem de volta. Ele havia ido longe demais, ao menos para aquele cara que não costumava mudar sua rotina e vida, de poucos quarteirões e de poucas pessoas. Levantou-se amargurando a noite que começara, amargurando tamanha distância, e decidiu que era hora de voltar para casa. Mesmo que já não fosse mais hora para encontrá-la, ele e ela (isso era certo) lembravam da noite passada, o que poderia ser algo atenuador, pensou ele.

Enquanto isso, a sacada e o Sol cor de sangue pareceram ter tornado-se desinteressantes para ela, que costumava enjoar rapidamente de tudo, já que cobrava a mudança das coisas mas acreditava que nunca mudaria... em alguns aspectos. "Quem parece não mudar em alguns aspectos , é ele!", pensou, olhando o relógio e se perguntando quanto tempo mais teria de esperar. Que letárgico.

Nesse exato momento, P., acreditei que ele caminhava firme, não mais correndo, mas traçando o mesmo caminho para voltar e encontrá-la. Também era muito bonito pensar que ela o esperava, e que tanto tédio só estava ali porque ele não estava... entendendo nada direito. Um pouco antes de terminar esta carta, resolvi ir ao prédio dela, acompanhar o encontro deles. Mesmo que a noite já durasse um tempo razoável, eu não podia deixar de perder isso. Mas houve um problema. Desde o ínicio houve um problema. Confesso não ter entendido, ou achar que estava entendendo, mas eu não estava... entendendo nada direito.

P., sempre esteve envolto em ilusão, não importava se fosse tarde, ainda sim parecia estar sem enxergar nada. A pessoa que ele corria atrás nunca lhe retrebuiria com dez passos em sua direção. Desde que ele colocou seu coração nela, a cada tarde ele corria para mais e mais longe dele. Perdendo-se de si e afastando-se dela.

P., sempre estive à espera dele. Como dói pensar que acreditei tanto em algo que com o tempo mostrou-se apenas uma tola ilusão... infelizmente parece que mesmo de manhã, resolvi usar os olhos errados para tentar ver.

P. sempre esteve achando que após o término de um dia, um totalmente novo nascia, trazendo consigo novos problemas e novos amores, mas foi tolo em não perceber que a cada nova manhã ele amanhecia na mesma cama vazia, tendo de percorrer um longo caminho até encontrá-la sentada em uma mesma cadeira, sendo abandonada e provocando uma corrida que nunca terminava. P. sempre voltava para o início. Sempre voltava do mesmo final. Assim como este final não existe, já que termina para um mesmo começo, o início de novo nada tem, além de começar de novo o mesmo de antes. Foi essa união que tentei unir a mim mesmo, em três cartas que narram uma história que só existe em meu interior... Como destinatário e remetente, assumi posições de pessoas que nunca tive na vida, de ouvinte ou acalentador, e busquei conforto em quem nunca me negou. Em mim mesmo. Pois todas as vezes que corri atrás de alguém, que depositei meu coração em outrem, eu sempre estive à espera de que o próximo dia começasse melhor do que o fracasso do passado... Resta esperar pelo futuro da quarta e última carta a mim mesmo.

P. (ainda confuso pela profusão de "eus"), que tive de ser três em uma história que eu queria apenas dois, e não percebeu que ela nunca esperou por ele, mas sim por quem realmente tem uma história vista por seus nobres olhos castanhos...

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