domingo, 21 de fevereiro de 2010

Beatriz


Há uma menina. Na verdade, não sei se o certo é "havia uma menina", pois essa menina que existia não seria a mesma que existe agora. Essa é uma discussão que nem é tão importante, chega a se ofuscar pela forma com que ela age. Mais importante que agir, ainda, é como ela é. Ou era. Talvez sempre tenha sido. Azul como o céu, mas um céu daqueles finais de tarde, "chove ou não chove?", de um tom marinho-escuro, daqueles que quando se olha não se sabe direito o que está por trás. É difícil mesmo. Você pensa "ah, agora vai ficar tranquilo, o vento vai levar a tempestade embora", mas não, lá vem água em torrencial. Você pode subir bem alto, quase em meio ao céu, mas ele vai te jogar e vai te afogar. Vai inundar o que estiver lá embaixo. Sim, é uma tempestade de emoções com teor adolescente, que só adolescente sabe causar.

Há uma menina. O nome dela é Beatriz. "Bi" por parte de pai, atriz por parte de mãe. Bi, como o próprio nome quer dizer, tem dois significados. Apelido não só pelo pai, mas por todos. O outro tem a ver com o que ela gostava de gostar e de ser. Atriz não sei se aprendeu por ser mulher, digo, que ideia horrível a minha. Claro que não. Aprendeu por simplesmente ser humana. Reparei que onde ela gostava de atuar, não era onde os outros atuavam. Veja, ela prefere o espaço entre a tela e o projetor, não se decide entre a publicidade oficial da película nem entre a penumbra do escondido, se bem, que por esse lado, na penumbra ela se encontra, então não sei como explicar. Talvez consiga achar uma razão pelo fato de Beatriz, ser Bi, então, como tudo que se refere à ela, devemos observar o outro lado. Vamos?

Quando digo outro lado de Beatriz, me refiro àquela menina que "havia". Lembram, a que existia e não é a mesma de agora? Essa nos reserva apenas uma grande surpresa: ter deixado de existir. Toda surpresa traz uma pergunta, normalmente não conseguimos dizê-la, porque bem, simplesmente não é possível falar quando estamos muito surpresos. Mas já que escrevo, e portanto, penso, digo a minha: "Ela algum dia realmente existiu?" Ou não passou de uma simples garoa(ta) fina, sem consistência e fraca, que apenas serviu para deixar o céu azul-marinho?

Parece que de "Bi", Beatriz muito pouco ficou, já por "atriz", dá para entender muito sobre a "menina que havia". A que havia se encontra na tela, a que há, nas poltronas do cinema e eu me contento com meus rolos de projeção no escuro.

P., construindo uma canoa...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Algo para se gratificar.

Eu estou grata, você foi minha. Foi minha em todo o lugar que eu via o seu rosto. Na noite calada, nas tardes com chuva e nas manhãs com sol. Foi minha antes, agora e depois. Estou grata por ter pensado que te conhecia tão bem. Estou grata pela chuva, pelo sol e pelo mar em fúria.

Estou grata pelos diferentes estados que se encontra o meu coração. Grata por ter sentido no norte, no sul e na América Central. Grata por ter sentido muito e grata por sentir demais, mesmo que seja errado.

Grata pela mala mal arrumada e por ter levado dentro dela todas as fases da sua paixão. Então não reclame do que recebeu da vida, a culpa é toda sua por ter deixado um coração assim, machucado e apavorado, mas do mesmo jeito, eu estou grata, por que você não?

B.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Maria das almas.

Me impressiona o seu jeito de fazer a vida. Eu chego e me calo. Eu tinha tanta coisa para falar, mas até quando você respira me faltam palavras. Eu conheço gente que parou de fumar por um filho, acredite, não é nada fácil. Também conheço gente que já matou por amor e morreu pelo mesmo, mas nada é tão grandioso como você. Eu sentei e você começou a falar. Naquele domingo eu nunca havia ficado cara a cara com alguém tão forte. Eu nunca imaginei que esse alguém tão forte seria alguém tão próximo.

Os seus erros, as suas crenças e a sua experiência fazem de você uma guerreira. O seu sangue é imperial e seu espírito nunca vaga sozinho. Os seus olhos, as suas tatuagens e as suas marcas também fazem você ser quem realmente é. A sua cabeça não vê mais estrelas, mas a sua perna sempre estará tatuada com elas. Não existem barreiras, muito menos fronteiras que lhe empeçam de ser tudo o que você quiser. O tom pacífico espanta ao vir de uma mulher que já sofreu tanto. A sua voz está cansada, mas nós sabemos que logo mais você estará revigorada. Você não cairá novamente. Você é mais real do que imagina, então, continue alimentando a minha alma.

Por um momento, dissimular foi inevitável, e quando você encontrou problemas o mundo saiu de sua órbita, explodiu e dividiu-se em outros pedaços. Esses pedaços representam a sua mente, que está sempre em conflito, pronta para entrar em colapso a qualquer momento. Mas você não se abala facilmente. Você tem cabeça, coração, pés firmes no chão e sempre toma a decisão certa. Sonhar nunca fugiu da sua rotina. Você é como a musa inspiradora, gladiadora de terras e mares. Maria das almas revigore-se, e seja sempre esta que em nenhum dia deixou de ser, ''das almas''. Almas capazes de trazer tudo o que é mais sagrado.

B.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Enquanto as folhas não secam e o vento não para de soprar

Setembro, 25 (A cidade mantém os mesmos tons sempre. Chega a ser, de certa forma, cômico. Todas as pessoas se esbarrando nas ruas, mesmo que estejam caminhando na mesma direção. Assim como as folhas, não podem escolher onde têm de ir. Sua liberdade de movimento, escolhas e decisões é limitada a vontade do vento. Caem, sobem. Tomam rumos que nunca imaginariam tomar. São levadas aos mais diversos lugares, longe de suas raízes. Simplesmente sugadas por uma força maior que todas elas unidas. Lutam, reclamam, decidem tomar suas próprias decisões, mas, raramente, têm algum sucesso. Pelo menos essa era a visão que eu tinha. Uma visão limitada, que desconhecia a verdadeira força dos humanos. Talvez o que realmente nos diferencie delas seja isso. Nossa vontade infinita. Aquilo que não faz de nós folhas, mas sim, nosso próprio vento.)
No entanto, para descobrir isso, tive de entender o mecanismo desse vento. Acredite, não há nada mais difícil do que entender as pessoas. Confesso ainda estar muito longe de entender as mais próximas a mim. Quanto mais as que me dizem. Todos nós já tentamos entender alguém por alguém. O famoso namorado da amiga. Temos que pensar por ele. Nem sempre funciona.


(Havia um banco. Um lugar privilegiado. Quem ali sentava, tinha um grande poder em mãos. A vista era realmente bonita, principalmente na época do ano que mais gostava. Quando as folhas caem amareladas e laranjas, deixando suas casas desnudas. Se engana quem pensa que o vento é cruel, as retirando das árvores e brincando como se fossem marionetes. Quando, na verdade, elas pegam apenas uma espécie de carona, para irem a lugares onde o céu não seja tão implacável, e o inverno, tão aterrador. E é no Outono, também, onde o clima frio aproxima as pessoas, criando um sentimento de cooperação. A primeira impressão pode parecer mentira. Mas ali, naquele banco, majoritariamente sozinho, comecei a perceber que as folhas que realmente se movem, são mais parecidas com as que amontoavam as travessas do parque.)

Nesses trechos do primeiro ensaio que eu escrevi, uma espécie de pré-livro, eu parei para observar nossa relação com a Natureza. Nós, que pensamos ser tão diferentes, porém, submetidos às mesmas leis, nos assemelhamos as folhas. Seria o destino algo que nos obriga a fazer o que ele apenas quer? Ou algo que nos tira da monotonia que seria a ausência de vento? Acreditando em destino ou não, o que não dá para negar é que o vento nunca para de soprar...

P.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Um gole de chá sobre inocência.

Eram dois. Uma com não mais de nove anos. Outro, com a idade que aparenta mesmo ter. E como aparências são pessoais, tanto faz a idade que ele realmente tiver, você dará a que quiser. Estavam sentados, em um banco que os separava por um abismo que tinha nome, experiência. Não só um buraco relativo, mas uma cratera física em que ela caiu. Segue abaixo:

- Seus pais te amam e vão superar as diferenças a um nível, ao menos, tolerável, pra te deixar feliz.
- Não foi isso que eu perguntei.
- Você não perguntou nada. Você perguntou tudo. Quando se responde com um “por que”, posso responder o que eu bem entender como “porque”.
- Que seja. Eu quero saber se eles me amam, assim como os pais de minhas amigas, porque há ódio, raiva, brigas... O amor é uma coisa boa, pelo menos foi o que sempre aprendi. Não deveria nos fazer tanto mal...
- É...
- Pra mim, o ódio é ausência de amor.
- Na verdade são coisas muito parecidas... é óbvio que o ódio é ruim e o amor é bom. Mas a linha que os separa, embora sejam coisas aparentemente difusas, é tênue...
- Isso é um clichê barato.
- Você por acaso sabe o que quer dizer a palavra “clichê”?!
- Não, não sei. Eu vi essa resposta para o que você disse num filme...
- E porque você não perguntou a ninguém o que queria dizer, mocinha?
- Não havia ninguém comigo vendo o filme. Depois esqueci de perguntar pra outra pessoa.
- Você não deveria ver um filme sozinha, nessa idade! O cinema tem muitas coisas que não são pro bico de crianças.
- Não adianta me colocar dentro de um casulo protetor. A força de fora que ataca para romper o casulo é a mesma da minha que ataca de dentro, portanto, nos anulamos. O casulo continua lá, intacto.

Senti-me desconfortável em não distinguir se a garotinha estava fazendo uma piada usando a lei da força resultante da física em relação a sua inocência. Mas fazia sentido. Assim como sua vontade de romper o casulo era enorme, para descobrir o mundo e coisas de “adultos”, a mídia e o sistema precisavam dela preparada para essas coisas o mais cedo possível. Incentivando a pornografia, obrigações ambientais e econômicas, intelectuais e patrióticas, também forçavam o casulo de fora para dentro. As forças deveriam se anular, e o casulo permanecer intacto, é o que a Lei diz.

- Isso também é mentira.
- Por quê?
- Pois seu casulo nunca existiu de fato. Não teve tempo para ser tecido corretamente, e sobram muitas lacunas. Ninguém pode tecer um casulo protetor invulnerável. Sua força ultrapassa o casulo, assim como a que vem de fora. Se você julga seu casulo como sua inocência, ela nunca existiu de fato. Não forte o suficiente. Era apenas provisória, até que o curso natural, você rompendo, e o imposto, o artificial, a força exterior forçando, consigam destruir grande parte dele.
- Você está dizendo que eu não sou inocente?
- Quanto é dois mais dois?
- Eu disse inocente. Não ignorante.
- São sinônimos.
- Sim, talvez até seja. Mas não era exatamente nesse contexto que eu me inseri.
- Foi na conotação sexual?
- Sim, esse tipo de inocência.
- Então você interpretou o meu sentido de inocência como isso?
- É, nesse sentido.
- Pois seja. Você não é inocente.

P., anocente.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Minha literária.

Por favor, não se canse de ler sobre a mesma pessoa. Por favor, caras mãos, não se cansem de escrever sobre ela. Minha mente quer esquecê-la, mas meus dedos não param de descrevê-la. Eu não sei o que eu devo fazer agora, mas sei que a esse ponto eu não deveria mais sentir, a esse ponto eu não deveria pôr mais vírgulas. Eu não sei onde você está. Eu não sei mais nada sobre o romantismo, eu não mataria por mais nada nessa vida. A época Byroniana já se foi, você também, e quase tudo o que eu sentia continua aqui. Eu não sei por que finjo me esquecer da vida, de você e do meu romance. Mas a vida, ela continua minha. Você, eu não consigo decifrar. E o meu romance, bem, ele continua gótico, regional, urbano, histórico ou nacional.

B.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Garota de onde for preciso.

A garota do Hawaii estava procurando um refúgio, um lugar onde ela pudesse amar, um lugar onde um golpe de pincel mostrasse nada mais do que mil sorrisos. Ela não sabia usar um violão, então ela cantava, a banda a acompanhava em ritmo não tão esquematizado mas ainda assim conseguia soar bem. Já a garota de San Francisco, bem, ela sabia que podia pôr tudo em risco mas mesmo assim sabia que era amor, só não sabia onde podia amar. Ela não sabia se era Hawaii ou San Francisco.

A garora de San Francisco era pura e nada além de sangue corria em suas veias. A garota do Hawaii tinha malícia e o mundo em suas mãos. As duas eram maduras o suficiente para tomar uma decisão. A garota de San Francisco teve seu último declínio e finalmente voltou a suspirar. A garota do Hawaii voltou a amar e rezava para não esquecer de respirar novamente. Elas decidiram que o mais sábio era quem sabia se amar em primeiro lugar.

Aquela não foi a sua primeira nem última música. Aquele não foi o seu primeiro nem seu último amor. A garota do Hawaii e a garota de San Francisco voltaram a dar beijos ardentes. Sim, ela sempre foi uma só, e daí por diante várias outras começaram a surgir. Ela não seria para sempre a garota de San Francisco, muito menos só a garota do Hawaii, ela será a garota de onde for preciso.

B.

Gil Rosa.

Eu sou apenas mais um dos que andam com fome. Dos que nem conseguem mais andar, apenas se arrastam pelas ruas, pelas calçadas e pelas casas abandonadas. Que já não consegue mais nem se arrastar sozinho, apenas regado a um uísque, que talvez seja o culpado de eu ter perdido minha casa e minha família, talvez até minha destreza prejudicada seja prejuízo dessa garrafa. Mas, quer saber? Não ligo se a culpa é dele, de todos meus amigos ele é o único que não derrama nada de sua boca que me difame. Que não chega perto do meu bolso e tente colocar esmolas. Que não me dá calor de raiva nas chuvas, por falar mal, achar que o que eu preciso é dinheiro e deixar os outros em paz. Não é que eu os incomode, não digo sobre meus amigos, nesse caso, eles já me deixaram há muito tempo, foram com minha esposa e minhas filhas, mas eu falo mesmo é dos que não conheço, que sempre vejo. Eu sou um remanescente da época vermelha, época abyte, onde os jovens não tinham outra paixão sequer por suas ideias. Hoje não fazem ideia do que é paixão por coisas imaterias, amam apenas o que os outros amam, sem amar a quem os ama.

Eu sou apenas mais um poeta de rua, que excumunha ao mundo como Gil, o Vicente, e que diz amar a todos que me amem por alguns minutos, se amar é respeitar, respeitar é saber ouvir... Quando me dão ouvidos, me dão muito mais amor do que as pessoas que seguram em minhas pernas pedindo para que eu não escorregue e me machuque. Eu sou como uma rosa, em papéis de aniversário, anagramas e poesias de meus amigos dos velhos tempos, dos tempos dourados e negros. Mas não desse tempo vazio. Onde os jovens adoram coisas antigas, por que grandes ídolos não existem de verdade. Não mais. Um dos meus grandes amigos diz que seus heróis morreram de overdose. Seus inimigos ainda estão no poder. O que me restou para viver são as coisas que não têm como me deixar. É complicado perceber que só está próximo de você o que não tem outra escolha. Por que simplesmente não sente nada. Os que sentem são os que me dão ouvidos. Prefiro acreditar que aqueles que me abandoram não podem sentir lá tanta coisa assim.

P., nessas férias, numa madrugada chuvosa, na virada do aniversário de um amigo, cercado de amigos e amigas, encontramos essa figura, que nos rendeu um momento maravilhoso e inesquecível. Um poeta das antigas com coração vermelho, que bate no lado esquerdo do peito e como os caras da direita nunca vão entender. Hoje, sem tanto esquerdismo e direitismo assim, nós somos os tolos que não entendem. Os tolos que se acostumaram a entender das coisas e não das pessoas. De preconceitos e não de seres fantásticos que escolhem ou foram escolhidos para morar no mundo. Sem nada além de si mesmos, que nem é tanta coisa assim, já que o mundo, esperam eles, reserve seu reencontro com sua paz. Enquanto não se encontram, nós lhe damos ouvidos... e todo nosso amor.

Ando sem tempo.

Reclamo da minha falta de tempo, sem me dar conta que o tempo não é meu e a sua falta de nada tem a ver comigo. Reclamo da falta de disposição sem perceber que a disposição sim, é minha, e que não parece faltar para reclamar da falta de tempo. Juro que tenho muito a dizer e escrever por aqui, mas parece que o tempo não me deixa, ao menos por hora, que está pela metade agora e grita comigo na barra do computador, como para lembrar que estou perdendo tempo e esquecendo da hora. Como posso esquecê-la se acabo de lembrá-la? Digo mais, vou lembrá-la de que o tempo não compreende falta, somente prioridade. Não há falta de tempo, eu priorizei meu tempo para fazer outras coisas. Essas coisas não compreendem falar e escrever tudo o que sinto vontade aqui.

Estranho ver como reclamo da falta de tempo sendo que "perco" tempo escrevendo agora, escrevendo sobre a dureza de escrever sem tempo, meio que justificando para mim e para vocês, como que se o tempo que gastei escrevendo não fosse existente. Quem realmente não tem tempo, não tem tempo para reclamar que não o tem.

P.