domingo, 2 de maio de 2010

A segunda carta a mim mesmo

Ah, minha querida, me fez tão bem ler o que você escreveu. Fico contente que você finalmente, pelo que parece, tenha encontrado alguém que a ama... Fico contente mesmo.

Ontem à tarde, estava com tanta vontade de sair que resolveu ir correr. Ele costumava correr sempre - o que poderia descartar qualquer tipo de suspeita - mas não foi bem o que aconteceu ontem. Logo depois de acabar de acordar, ele saiu pelas ruas. Não parecia ter direção - o que reforçava qualquer tipo de suspeita, já que nunca passava de alguns poucos quarteirões, em círculos, como quem tem vontade de correr para longe, mas perto o bastante caso mude de ideia - muito menos com companhia. Mais uma vez, era algo extremamente normal, ele nunca tinha companhia para correr, apenas um velho par de velhos tênis, uma camiseta e uma bermuda, daquelas que você repara e pergunta para os outros se repararam como elas vestem mal, de tão bem parecerem ter sido emprestadas para aquela pessoa não andar nua por aí. Mas parecia que ontem ele não iria andar, iria correr mesmo. E continuou. Passou de seu bairro, passou de seu canal, curioso e verídico, e prosseguiu correndo. Só podia pensar que era um Forrest Gump, aquele tolo que percorria o mundo pelo simples prazer de nunca parar de correr.

Ele deixou os limites da cidade, acredita? Parava apenas para olhar o céu, e ver a tarde morrer quieta, devagar, O Sol ao alto que não queria ceder, observava atentamente essa pessoa que resolveu sair de seus limites para alcançar outra. Bem, se O Sol não soubesse a razão de ele correr tanto, quem poderia saber, se parece que nem ele mesmo sabia. Mas continuava a correr o risco de se perder em meio à tolice de uma estrada que ele nunca havia pisado, muito menos tentado vencer. Ou melhor, havia pisado apenas uma vez, e foi jogado para fora dela, quando estava mais apaixonado por aquilo tudo, uma ligação o pegou e o obrigou a parar a corrida, e disse: "a estrada acabou". Ainda teve a coragem de dizer que "é preciso força para enxergar que a estrada vai além do que se vê..." Essas palavras então, nunca sairiam de sua cabeça, até o dia em que resolveu provar a si mesmo, que essa força realmente existia, mas que deveria levá-lo a esse final da estrada.

Já era noite quando parece ter chegado, sentiu o cheiro do sal, uma leve maresia o cutucou, fez coçar seus olhos, e ele parou. Quando finalmente conseguiu se livrar do incômodo, ergueu a cabeça e olhou para a praia. Pisou na água e disse para o mar: "Eu falo de amor porque é com você que eu quero falar." Mas ninguém se encontrava ali. Parece que ele havia corrido tanto por tanto tempo e ela desvincilhou-se dele. Estranho, ele dizer isso para um monte de água, não? Tão inútil quanto tudo o que ele fez até aquele momento...

É, P., isso meio que embolou um pouco as coisas, eu sei. Mas fiquem tranquilos, porque a noite havia apenas começado a cair, e ele só precisava de um pouco de força para enxergar a estrada de volta à manhã em meio à escuridão...

P., transcrevendo a segunda, e penúltima, carta que enviei a mim mesmo...

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