domingo, 25 de abril de 2010

A primeira carta a mim mesmo

Acabo de acordar. Sento-me em minha cama e olho para o lado direito do quarto. Ou será esquerdo? Não sei, não sei mesmo. Sinto-me meio que confusa. Ou confuso? Droga, algo não está certo. Continuo percorrendo as paredes e vejo um vestido amarrotado sobre uma cadeira. Vou até ele e o observo melhor: era estranhamente macio, e bastante cheiroso, devo dizer, como se jamais houvesse sido vestido. Mas, observando melhor, parece que aquele cheiro tão bom não vinha dele, e sim de um pequeno vaso de flores que estava na mesa, flores amarelas, vermelhas e de uma cor que descendia dos mais nobres castanhos, como daqueles olhos pesados e profundos, que nunca te fitam, simplesmente pegam seu coração e o colocam em um lugar onde se você subir para pegá-lo, irá cair. Continuo com o vestido na minha mão direita - parece que agora já sei o que é direito - e com a outra mão pego uma das flores, a mais vermelha delas, e vou até a cadeira que antes era vestida pelo vestido, e nesse momento, serve de apoio intermediário de alguém que não pode voltar a dormir mas também não tem vontade de sair pela porta do quarto.

Repouso o vestido e a flor em meu colo, cruzo os pés, estico os braços e solto um longo sinal de preguiça. Inclino-me para trás, passeio as mãos pelas paredes, que são bem mais frias ao toque do que eram ao simples olhar, o que é bem cômico, porque são como os homens, que você sente-se feliz por se manter longe o suficiente para não sentir a frieza com que eles dizem adeus... Mas as mulheres também são assim, afinal de contas.
Enfim, não acho que isso é hora de ficar dando atenção a isso, tenho duas coisas tão simples, distintas e preciosas em minhas coxas e que merecem mais minha atenção do que homens e mulheres. Volto a me inclinar com a cadeira para trás, posso ficar ali o dia inteiro, incauta e sem ter de ver o Sol por completo lá fora. O cheiro e a imagem, do tecido e da flor, me convencem a vestí-lo, mesmo quando o pijama pareceria mais adequado (só agora me dou conta de que dormi sem roupas essa noite, o que não é comum). Até que a porta se abriu. Era ele que entrara, e com as mãos sobre a cadeira que eu havia abandonado, disse: "Finalmente o vestido, a flor e meu coração são uma coisa só..."

É, meu caro amigo, não havia entendido no momento, que tudo aquilo não passou apenas de uma descrição de algo tão simples, quanto a mulher que ele ama usando um mero vestido florido...
Saudades, meu grande - a cada dia com maior certeza disso - amigo, P.

P., transcrevendo a primeira carta que enviei a mim mesmo...

Um comentário:

  1. Podem acreditar, vocês fizeram meu dia mais feliz com isto. Obrigada! :)

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